sábado, 31 de julho de 2010

O estratagema de Ísis



Quem é esse velho miseravel que se aproxima, andando com dificuldade, entrevado, quase enfermo? É o Deus Rá, Poderoso Senhor dos Ceús, Pai e Mestre do Universo. Com efeito, o passar do tempo é inexoravel. Tudo está condenado á velhice ea decrepitude, e nem mesmo o Deus Rá escapa á essa lei. Os Deuses, inquietos, percebem que a cada dia seu Pai está mais senil. Até mesmo os homens reparam que o brilho do disco solar vai enfraquecendo sem cessar. O estado de Rá piora com o passar do tempo: seus membros vão ficando rígido, seus ossos se convertem em prata. Pouco a pouco, seu corpo vai transformando-se em ouro. seus cabelos ficam lápis-lazúli. Em breve, o sol não passará de uma massa condensada de minerais e metais preciosos. Além disso, precisa apoiar-se em um bastão para conseguir caminhar. Que tristeza tal decadência atingir a maior de todas as Divindades!

Esse Deus Poderoso (e velho acabado) teve numerosos filhos e netos. Entre estes, Ísis, a Grande Maga, que tem quase tanta sabedoria quanto o avô. Não ignora nada a respeito do Ceú, da Terra ou dos Mundos Subterrâneos. O único conhecimento que lhe falta é justamente aquele que lhe daria os imensos poderes de uma Deusa de primeira grandeza: O verdadeiro Nome de Rá. O Deus Solar é designado por tantos e tão diversos nomes que não se sabe qual o verdadeiro. Ptah, Amon, Aton... Os homens eos Deuses conhecem esses nomes e muitos outros. Mas nas Profundezas de seu ser, Rá esconde com cuidado seu único nome autentico, aquele que ninguém jamais ouviu, e esse nome tem poderes mágicos que Ìsis cobiça. Ao ver Rá curvado sobre a bengala, ela resolve desvendar o mistério. Como, no emtanto, convenceria Rá a revelar seu segredo mais precioso? Sábia e astuta a Deusa acaba imaginando um estrategema.

A Serpente Mágica

Todo dia, Rá caminha, com dificuldade, ao longo da mesma estrada. Escondida atrás de espessos arbustos, Ísis o vigia. De repente, o velho tosse e cospe. Assim que ele se afasta, a maga corre até o local onde caiu a saliva divina e a transforma em pedra, misturando-a com a terra. Daí a pouco, entre seus dedos, essa lama amassada toma a forma de uma serpente, que ganha vida por meio de palavras mágicas pronunciadas por Ísis. Em seguida, ela esconde o réptil na estrada pela qual Rá costuma passar. No dia seguinte, ao fazer seu passeio diário, Rá sente no pé uma dor aguda, que imediatamente se espalha pelo corpo todo, sem que ele tivesse ao menos vislumbrado a serpente que o mordeu. Rá sente o corpo queimar e, ao mesmo tempo, um frio glacial percorre suas veias. Um violento tremor sacode-o e o faz gritar:

- Que é isso? Que me aconteceu?

Ao ouvir seus gritos, todos os Deuses acorrem. Rá explica que sente uma dor imensa, mas não sabe a origem. O grande deus Sol consegue apenas lamentar sua impotência diante do mal que lhe aflige. É então que, destacando-se do círculo formado em torno de Rá pelas Divindades aterrorizadas, Ísis avança:

- Foi uma serpente, Divino Pai, que com seu poderoso veneno causou o mal que atormenta teu corpo.
Espera um instante e acrescenta:
- Revela-me teu verdadeiro nome e, com meus encantamentos, te livrarei da dor.

O velho Deus está a ponto de desmaiar e se retorce no chão. Sofre, mas hesita. Embora não queira revelar o segredo, precisa dar uma resposta a Ísis. Desesperado, limita-se a enumerar os diversos nomes que todos conhecem.

- Sou Quéfri de manhã, Rá ao meio-dia e Aton ao entardecer.


Ísis, no entanto, não se deixa enganar e responde:
- Nenhum desses é teu verdadeiro nome! Dize a verdade, e minha magia pode livrar-te para sempre dessa dor.
Rá ainda hesita e resiste o quanto pode, mas a dor torna-se insuportável, e ele acaba cedendo. Contrariado, chama Ísis para junto de si:
- Vem cá! Vou derramar em teu coração o poder que está no meu.

Ísis aproxima-se de Rá, que a leva para longe dos outros deuses. A contragosto, sussurra em seu ouvido o nome misterioso. Fortalecida pelo segredo, Ísis pronuncia as únicas palavras mágicas capazes de quebrar o encantamento. Imediatamente, Rá recupera a saúde. O grande deus fica muito aborrecido por ter sido obrigado a entregar a essência de seu poder, mas Ísis está feliz: acaba de transformar-se numa das maiores divindades, senão, a mais poderosa de todas.

 
                                                                        

sábado, 24 de julho de 2010

A verdade sobre os Haréns Egípcios


                 Harém... Palavra portadora de fantasmas, povoada de sultões libidinosos, de jovens lascivas educadas para satisfazerem os desejos do macho. A egiptologia teve a infeliz ideia de escolher a palavra "harém"para designar uma importante instituição do Estado faraónico, ritual, educativa e ao mesmo tempo económica, que nada tem que ver com as prisões de mulheres do mundo muçulmano. Confusão vem do significado do termo egípcio kheneret, "lugar fechado", que certos eruditos logo traduziram por "harém" porque ali se encontravam comunidades femininas, que no entanto não eram formadas por reclusas, e que aí celebravam ritos em honra da divindade protectora do harém: por exemplo, Âmon, Min, Hator, Ísis ou Bastet. O carácter fechado do "harém" egípcio, já que temos de continuar a chamar-lhe assim por um hábito dito "científico", está ligado ao seu aspecto secreto. Além disso, o termo khener significa igualmente "música, manter o ritmo"e veremos que o ensino da música era, efectivamente, uma das funções dos haréns egípcios.
           Discípulas da deusa Hator, as sacerdotisas que aí viviam asseguravam ritualmente a sobrevivência da alma e a irrigação da Terra pela energia celeste. Uma "Venerável (shepesef)" está à frente do harém, e a superiora de todos os haréns é a própria rainha. Na sua qualidade de "Esposa do Deus" e de soberana de todas as sacerdotisas do reino, ela dirigia estas instituições na sua totalidade: preocupava-se com os programas educativos, nomeava os professores, zelava pela boa saúde económica dos estabelecimentos e pela prática justa dos ritos. Em cada harém, uma encarregada representava a rainha, quer como directora delegada, quer como assistente de um director, muitas vezes chefe de província ou sumo sacerdote. Devemos imaginar o harém como um pequeno aglomerado com serviços administrativos e numerosas oficinas; a instituição dispunha de rendimentos de raiz e recebia provisões vindas dos seus próprios domínios.
           Mer-Ur, o grande harém do Faium, tinha uma reserva de caça e de pesca. O facto de pertencer à administração do harém era muito apreciado e abria caminho a brilhantes carreiras ao serviço do Estado. Personagens de grande estatura como Hapuseneb, o sumo sacerdote de Amon, ou os vizires Requemiré e Ramosé aí ensaiaram os seus primeiros passos.
           No Novo Império, a direcção dos haréns foi por vezes confiada a mulheres, esposas de sumo sacerdotes de Amon. Aliás, as damas do harém parecem ter exercido uma importante influência na nomeação dos altos dignitários do clero tebano. Entre as primeiras actividades artesanais do harém figurava a tecelagem, destinada a fornecer ao templo as vestes indispensáveis ao culto e a ilustrar o processo da Criação relacionado com a deusa Neit, que havia tecido o mundo à mão e pelo Verbo. As mulheres também fabricavam objectos de toilette como pequenos cofres e potes para pós.
            No harém eram admitidos altos funcionários, administradores, artesãos, servos; em suma: toda uma população de homens e mulheres que formavam uma micro-sociedade. As rainhas e as esposas "secundárias" gostavam de mandar criar os seus filhos nos haréns, onde recebiam uma educação de qualidade. Moisés, filho de uma dama da corte, teria descoberto a sabedoria dos egípcios no internato de um harém. Futuras sacerdotisas se beneficiavam do saber dos professores. Era um lugar tão tranquilo que altas personalidades aí vinham terminar os seus dias; é provável que a grande rainha Tiyi tenha morrido no harém de Gurob, um paraíso na Terra, para onde se havia retirado.
           As estrangeiras que vinham habitar o Egipto na qualidade de "esposas diplomáticas" do faraó eram hóspedes privilegiadas dos haréns. Garantes da paz e da amizade entre o Egipto e o seu país de origem, tinham direito a um tratamento excepcional: boa casa, numerosa criadagem, vida dourada para fazer esquecer o exílio.
                                                                                                                     
           As damas do harém aprendiam a tocar vários instrumentos musicais como o alaúde, a harpa, a flauta, a lira, etc., iniciando-se também no canto e na dança. Estas artes tinham uma função mágica, pois a sua harmonia afastava as forças negativas e congregava as positivas. Pela música, a alma eleva-se ao divino e todo o ser sublima-se. Embora ainda não tenha sido possível identificar a notação musical do Antigo Egipto, supondo que tenha existido, nunca será de mais sublinhar a onipresença da música nos ritos e no quotidiano.
      Uma inscrição do túmulo de Mereruka, em Sacara, datada do Antigo Egipto, revela "o segredo das mulheres do harém": trata-se de uma dança ritual em que participam sete mulheres divididas em dois grupos, o primeiro de três dançarinas e o segundo de quatro. Encarnam na Terra a dança do universo, na qual o próprio faraó participa quando evolui diante de Hator, padroeira das iniciadas do harém.